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"Segurança para a Liberdade da nossa Vida"

17.03.2022 - Discurso

Discurso da Ministra Federal das Relações Externas Annalena Baerbock no evento que marca o início dos trabalhos para a elaboração de uma Estratégia de Segurança Nacional.

A distância que separa Berlim de Kiev, ou da fronteira ucraniana, corresponde aproximadamente à distância entre Flensburgo e Friburgo: dez horas de automóvel.

Dez horas de automóvel que em circunstâncias normais seriam uma viagem banal. E agora são dez horas de automóvel que nos separam da paz e da guerra. Provavelmente nenhum de nós teria julgado possível alguma vez acontecer tal coisa. Estamos a assistir a uma guerra de agressão brutal, a dez horas de automóvel daqui, em plena Europa. Uma guerra real, próxima, terrível.

Quando, no acordo de coligação, nos comprometemos a apresentar uma Estratégia de Segurança Nacional, creio que poucos dos que aqui estão presentes – e, na verdade, em qualquer parte do mundo – teriam podido imaginar o que está a acontecer neste momento. O presidente russo atacou o seu vizinho. Em violação da nossa ordem de paz na Europa. E em violação da nossa Carta das Nações Unidas.

Hoje, os nossos filhos perguntam‑nos à mesa do pequeno-almoço, à mesa do almoço, à mesa do jantar, se a guerra vai chegar até nós aqui na Alemanha, o que são armas nucleares. Em todo o país, as pessoas saem à rua, manifestando‑se em favor da paz, da liberdade e da segurança.

E desperta em nós um anseio que já não sentíamos há muito tempo, que talvez a minha geração nunca tenha sentido verdadeiramente. É um anseio de segurança. Trata‑se de um anseio profundamente humano, no sentido, porventura, de querermos assegurar aquilo que todos juntos defendemos: segurança para a liberdade da nossa vida.

E é disso que trata a nossa Estratégia de Segurança Nacional: de segurança para a liberdade da nossa vida. Essa segurança é composta por três elementos essenciais e inseparáveis.

Segurança significa, em primeiro lugar, a inviolabilidade da nossa vida. A proteção contra a guerra e a violência, contra ameaças iminentes e concretas.

Em segundo lugar, segurança significa proteger a liberdade da nossa vida. Mesmo sendo algo sobre o qual nunca refletimos muito. Afinal, o que significa “a liberdade da nossa vida”, o que significa viver em liberdade? Sentimo‑lo quando olhamos para a Ucrânia. Na coragem dos homens e mulheres que defendem o seu país. É na sua determinação que vemos o que estão a defender, se necessário com a própria vida: a democracia e o seu direito a decidir sobre uma vida em liberdade.

O terceiro elemento é a segurança como base da nossa vida. Não pode existir segurança onde a guerra ellimina a base de subsistência – é o que nos mostram as terríveis imagens que nos chegam das cidades cercadas. Mas também não existe base para uma vida segura em liberdade – e isto é sabido em todo o mundo – onde os impactos das alterações climáticas, a fome, a pobreza e a falta de prosperidade forçam as pessoas a uma existência marcada pelo conflito e pelo sofrimento.

Segurança para a nossa vida. Para a nossa paz e a nossa liberdade numa Europa democrática. É sobre estes aspetos que se debruça a nossa Estratégia de Segurança Nacional.

Mas temos de pensar a segurança numa perspetiva de futuro, não numa perspetiva de passado. Queremos fazê‑lo – apesar das atrocidades a que estamos a assistir – de uma forma confiante, mas também autorrefletiva e, se necessário, autocrítica.

Queremos que este seja um processo participativo e alargado, com o envolvimento das diferentes tutelas do Governo Federal, convosco, caros e caras colegas do Bundestag Alemão, e com todos os grupos parlamentares, além de muitos parceiros nacionais e internacionais.

Fazemo‑lo também porque a política de segurança é bem mais do que a simples fórmula “capacidades militares mais diplomacia”. Se os investimentos em infraestruturas e a política comercial fazem parte da nossa segurança, então isso significa também que as decisões sobre a segurança não são tomadas apenas no Ministério Federal das Relações Externas e no Ministério Federal da Defesa, mas também nas empresas, nos municípios, nas universidades.

Para mim, é um processo participativo que visa desenvolver a nossa estratégia, mas ao mesmo tempo é o âmago daquilo que eu e o nosso ministério entendemos por política externa. Não se trata apenas de um diálogo entre capitais, entre ministros e ministras, mas sim entre pessoas. Pois é a segurança humana que está em causa. A liberdade de cada um – aqui e no mundo inteiro.

Isto requer não apenas aproximar pessoas, construir pontes, mas também – porque a vida é real – pensar “fora da caixa”, sermos pragmáticos e não nos perdermos em parágrafos. E significa para mim e para nós estarmos dispostos a escutar as preocupações, os anseios e também os pontos de vista dos outros, a apontar claramente os dilemas em vez de fingirmos que não existem, e também estarmos dispostos a tentar ver com os olhos do outro, ainda que não partilhemos de todo da sua opinião.

Para a nossa Estratégia de Segurança, face à grave violação da nossa ordem de paz por parte da Rússia, isso implica traduzirmos de forma ainda mais clara os princípios que nos guiam em políticas concretas.

Os pontos decisivos são, a meu ver,

•          uma posição clara

•          uma capacidade de agir reforçada

•          e instrumentos de política externa e de segurança mais eficazes.

Relativamente à nossa posição: A atuação agressiva da Rússia mostra‑nos que em questões de guerra e paz, em questões de justiça e injustiça, nenhum país, incluindo a Alemanha, pode ficar neutro. Muito se escreveu ao longo das últimas semanas sobre a história do nosso país e a responsabilidade alemã. Permitam‑me afirmar com toda a clareza que sim, da nossa história, da responsabilidade alemã por guerras e genocídios advém de facto uma responsabilidade especial para nós, para mim: é a obrigação de estarmos ao lado daqueles cuja vida, cuja liberdade e cujos direitos se encontram ameaçados.

Por isso, gostaria de citar mais uma vez Desmond Tutu: “Se és neutro em situações de injustiça, escolheste o lado do opressor.”

Isto é válido para a forma como lidamos com a Rússia. Mas também para a forma como lidamos com outros regimes autocráticos e ditatoriais que põem em causa a democracia e a liberdade e que violam as nossas regras internacionais.

E acredito – também nestes dias terrivelmente difíceis em que somos chamados a tomar decisões num espaço de poucas horas – que precisamos de refletir continuamente e de ter cuidado para que não se repitam os velhos erros do passado: acreditarmos que existem ditadores bons e ditadores maus. Não. Temos de dar a cara pelos nossos valores e pela nossa posição no mundo inteiro. É claro que também temos – e muitos dos aqui presentes fazem‑no há anos e décadas – de dialogar com regimes autoritários. Com aqueles que não partilham de todo a nossa visão. Dialogar é a essência da diplomacia. Mas o que é decisivo é que não fiquemos calados, que não varramos coisas para debaixo do tapete por estarmos dependentes a nível económico ou energético, por exemplo. Que tomemos uma posição, mesmo que seja difícil, mesmo, como é agora o caso, em questões relacionadas com o petróleo ou com outros embargos. Que tomemos uma posição em prol da segurança para a liberdade da nossa vida.

Para isso, temos de ter capacidade de agir – e é este o meu segundo ponto. A nossa força reside na nossa coesão internacional. É com isso que estamos a responder à agressão de Putin. Foi de forma determinada que reagimos enquanto UE – mesmo se andamos à bulha que nem cães e gatos noutras ocasiões – fazendo avançar as sanções mais duras. O mesmo se passa no âmbito do G7, no âmbito da NATO e com muitos outros países de todo o mundo.

Porque o ataque da Rússia à Ucrânia significa um ponto de viragem geopolítico com profundas consequências para a segurança europeia. Atualmente, a União Europeia está a formular a sua estratégia de política de segurança mais detalhada até à data. A iniciativa para este processo partiu, há algum tempo, do nosso país, da Alemanha. E a “Bússola Estratégica” que agora está em cima da mesa, e que obviamente vai sofrer novos ajustes, deve e vai levar em linha de conta as novas realidades no nosso continente.

Ao mesmo tempo – e isto também será contemplado nesta estratégia, nesta Bússola Estratégica – esta guerra vem mostrar, uma vez mais, que a segurança da Europa depende do princípio da defesa coletiva da NATO. A Bússola Estratégica deve, por isso, orientar a política de segurança e defesa da UE no sentido de ser complementar à NATO, fortalecendo e desenvolvendo o pilar europeu da Aliança Atlântica. E, neste âmbito, temos igualmente de nos empenhar pelo fortalecimento da indústria de defesa europeia. Não para simplesmente fazermos “mais”, para gastarmos mais dinheiro, mas para nos tornarmos mais eficientes. Só a UE opera seis vezes mais sistemas de armas do que os EUA. Temos de ultrapassar essa fragmentação.

“Mais UE” não significa, do ponto de vista da política de segurança, “menos presença na Aliança Atlântica”. A guerra de agressão de Putin veio mostrar‑nos claramente que temos de ir mais além com a nossa defesa coletiva. E os nossos aliados – sentimo‑lo de forma clara – exigem de nós, enquanto maior economia europeia, que assumamos um papel de liderança neste processo.

No verão, a NATO vai adotar um novo Conceito Estratégico. Os chefes de Estado e de Governo vão aprova‑lo em finais de junho em Madrid. E hoje sabemos, e estamos a debate‑lo neste preciso momento, que a lógica da “linha de ativação”, dando a entender com uma presença mínima nos Estados Bálticos e na Polónia que um ataque a um país da NATO seria um ataque a todos, já não é suficiente na sua forma atual.

O reforço da presença que levámos a cabo ao longo das últimas semanas tem assim de assumir um caráter de longo prazo. Os nossos exercícios militares têm de refletir as novas realidades. E somos obrigados a levar em linha de conta que toda a área leste da nossa Aliança está sujeita a uma nova ameaça, e que, por conseguinte, temos de estabelecer presenças da NATO nos países do Sudeste europeu. Para tal, a Alemanha dará um contributo substancial na Eslováquia.

E a guerra veio mostrar‑nos ainda que a dissuasão nuclear da NATO tem de permanecer credível. Por esta razão, o Governo Federal decidiu agora adquirir caças do tipo F35. Todavia, o nosso objetivo continua a ser um mundo sem armas nucleares. Queremos falar sobre este objetivo com os nossos parceiros – no âmbito do Tratado de Não‑Proliferação. Mas também enquanto observadores com os signatários do Tratado sobre a Proibição de Armas Nucleares.

Gostaria que pudéssemos debater de forma honesta sobre como criar as condições para levar o desarmamento nuclear adiante. Isto não é possível fazendo exigências unilaterais aos nossos aliados ocidentais. Só haverá verdadeiro progresso no desarmamento nuclear quando todos os Estados detentores de armas nucleares derem passos credíveis nesse sentido. E também sabemos – e é isso que torna a situação atual tão terrível – que Putin está a fazer precisamente o contrário, ao ameaçar com armas nucleares.

Não obstante, estamos do lado do direito internacional. É uma posição de força. E por isso é para nós evidente, e isso fará também parte desta Estratégia de Segurança Nacional, que o desarmamento e o controlo de armamento continuam a ser elementos centrais da nossa segurança. Temos de encarar o desarmamento e o controlo do armamento como complementares à dissuasão e à defesa.

Isto significa capacidade defensiva no contexto da Aliança. Algo que é decisivo para a nossa capacidade de agir. Para mim, a capacidade defensiva compreende tanto os meios necessários como a vontade de nos defendermos. E estou ciente de que, para muitas pessoas na Alemanha – para muitos dos que aqui estão reunidos, e não me excluiria desse grupo – é um conceito historicamente sensível. Mas estou convencida de que a capacidade defensiva é decisiva para a nossa segurança. A segurança para a liberdade da nossa vida.

A criação do fundo especial para assegurar a nossa capacidade de defesa significou, por isso, um passo importante para modernizar de forma mais célere as nossas forças armadas, para equipá‑las de forma abrangente, mas também – e isto é importante – para reforçar as nossas capacidades conjuntas de defesa coletiva. Porque é importante que a capacidade defensiva seja definida no contexto dos tempos em que vivemos. E não no contexto do século passado. Isto significa que questões como a cibertecnologia e a ajuda à estabilização assumem um papel central.

Temos de pensar a segurança numa perspetiva de futuro. Caso contrário, não haveria necessidade de conceber uma nova Estratégia de Segurança. Por conseguinte, a nossa Estratégia de Segurança Nacional vai debruçar‑se sobre questões centrais pendentes que ainda não debatemos a fundo no espaço político nem, porventura, com suficiente exaustividade na Europa.

Apercebemo‑nos agora de que as questões estratégicas no passado eram sempre: Devemos defender a nossa segurança longe daqui, no Hindukush ou em outros locais? Ou devemos defender a nossa segurança à porta da nossa casa? Hoje, num mundo interconetado, percebemos que não se trata ou de uma coisa ou de outra. Longe ou perto. Defendemos a nossa segurança tanto aqui, à porta da nossa casa, a 10 horas de automóvel daqui, como a defendemos no mundo interconetado.

E podemos ver aqui, e já o temos visto ao longo dos últimos anos, que, num mundo digitalizado, a fronteira entre ameaças internas e externas tende a esbater‑se. Também na nossa Constituição encontram‑se algumas linhas divisórias. Aqui, devíamos perguntar‑nos com toda a honestidade – e creio que ninguém aqui terá já uma resposta pronta: Como lidar no futuro com essas velhas linhas divisórias?

Também percebemos, com vista à iniciativa Belt and Road, que os investimentos, particularmente na área das infraestruturas, são relevantes para a segurança. Definimos uma soberania europeia onde afirmamos claramente: cooperação sempre que possível, autonomia sempre que necessário. No entanto, apenas se pode agir de forma autónoma quando não se está completamente dependente de outros. E é a isso que assistimos não apenas aqui na Europa, mas no mundo inteiro. Em África, mas também sobretudo no espaço indo-pacífico – quando vemos quais os países onde a China investiu fortemente nos sistemas de abastecimento elétrico. Vemos então que nesses países estão a surgir questões prementes em relação à soberania, à integridade territorial e ao direito internacional. E, por esta razão, não iremos elaborar não apenas uma nova Estratégia de Segurança, mas também uma nova estratégia para a China.

Senhoras e Senhores,

Temos capacidade de agir graças à força das nossas alianças, da nossa capacidade defensiva. Porém, capacidade de agir significa também não estar dependente ou à mercê de chantagens no que se refere às relações económicas e energéticas. É também isto que a guerra veio mostrar em toda a sua nitidez.

Muitos de nós nesta sala não se têm cansado de sublinhar ao longo dos últimos anos que o abastecimento energético é, também ele, uma questão de segurança. Há precisamente oito anos, a Rússia anexou a Crimeia em flagrante violação do direito internacional. E, no fundo, muito daquilo que estamos hoje a discutir de novo, já o sabíamos há oito anos. Afinal, não foi fruto do acaso – e estão aqui presentes alguns deputados do Parlamento Europeu – que a Europa na altura debateu o significado real da Diretiva relativa ao gás. Ou o significado de unbundling. Ou a eficiência energética e a interdependência da energia, do clima e da economia. Foi um debate conduzido em inúmeros think tanks – alguns estão hoje aqui presentes.

O que é trágico nisto tudo é que, no fundo, todos sabíamos mas depois não se tiraram as conclusões devidas. Agora não serve de nada perguntar quem sabia ou quem disse o quê no passado. É leite derramado. O que importa agora é finalmente fazermos as coisas como deve ser. E é por isso que é tão decisivo que o Ministério Federal da Economia e o Ministério da Energia façam tudo, a todo o vapor, para eliminar a nossa dependência das importações de energias fósseis. Particularmente das importações da Rússia, mas sem voltarmos a resvalar para uma nova situação de dependência de outros países, apostando antes na nossa própria soberania energética. E cientes de que teremos sempre de importar também energia verde.

Uma coisa é certa: Temos de reduzir o uso de combustíveis fósseis e acelerar o uso de energias renováveis e eficientes. Não se trata apenas de investir em energias limpas, mas sim de investir na nossa segurança e, assim, na nossa liberdade.

E assim chegamos à principal questão dos nossos tempos em matéria de política de segurança: a crise climática. E esta questão não compete com os desafios da guerra e da paz. Está interligada. É o que torna este desafio tão gigantesco. Só conseguiremos preservar a segurança da nossa vida se formos capazes de lidar com a crise climática. E digo deliberadamente “lidar com” e não “pôr fim a”. Já não vamos conseguir parar o aquecimento global. Já temos um aquecimento global acima de 1ºC. E por isso não se trata apenas de “mitigação”. Trata‑se, por razões de política de segurança – e é isto que Jennifer Morgan e muitas outras pessoas no nosso ministério irão pôr em marcha, em conjunto com os outros ministérios – também de adaptação e “perdas e danos”, a fim de apontar aos países mais vulneráveis uma via para um futuro seguro à luz desse aquecimento global.

Isso porque vemos como a crise climática continua a minar a segurança em particular nos países vulneráveis. Vemos isso no mundo inteiro. Vemo‑lo sobretudo no Sahel, onde os eventos meteorológicos extremos, a insegurança alimentar e a migração contribuem para agravar crises existentes entre países. E não é coincidência que os jiadistas e o crime organizado aproveitam essa fragilidade como porta de entrada para imporem os seus interesses de poder e o seu desprezo pela vida humana, pondo em risco não apenas a segurança no local mas ameaçando também a segurança aqui na Europa. É por esta razão que a diplomacia climática é parte integrante da nossa Estratégia de Segurança. Cada tonelada de CO2 a menos, cada décimo de grau de aquecimento global a menos contribui para aumentar a segurança das pessoas.

Isto significa que temos de examinar de forma rigorosa as nossas dependências económicas. Durante muito tempo, vigorava a máxima: Quanto mais interdependência económica, melhor. Agora, o que vemos é que é precisamente uma orientação económica unilateral que nos torna vulneráveis. Isto é verdade não apenas em relação à Rússia. Por isso, quando falamos de dependência, temos de falar sobre conetividade, e temos, antes de mais, de começar a pensar as coisas em conjunto. É que não existe a política comercial de um lado e a política em matéria de infraestruturas do outro. E ainda, a política externa e de segurança lá mais para o fundo. Não, tudo está interligado.

Pois a vulnerabilidade no século XXI também se pode dar quando Estados autoritários investem milhares de milhões de euros em autoestradas, redes elétricas e portos europeus. É por isso que vamos fortalecer os nossos instrumentos do comércio externo em conjunto no âmbito da Estratégia de Segurança, mas também a nível do Governo Federal. É este o cerne de uma política externa orientada por valores. Uma política externa orientada por valores significa defender, ao mesmo tempo, valores e interesses, incluindo interesses económicos. Porque essas questões se encontram intimamente ligadas.

E, assim, chego ao meu terceiro ponto: os nossos instrumentos em matéria de política externa e de segurança. Porque na questão da segurança, não se trata apenas de defesa. Existem também outros aspetos, para além da área militar. Se, na prova de força do século XXI, nos queremos afirmar globalmente, todos os nossos instrumentos têm de estar à altura dos tempos – do ponto de vista militar, político, analógico, digital e tecnológico. Precisamos de uma noção abrangente de segurança sem, no entanto, perdermos o enfoque.

É a minha profunda convicção que a ampla participação alemã no mundo ao longo dos últimos anos e décadas – quer seja na diplomacia, quer na prevenção de crises, na política cultural internacional, no desporto, na educação ou na cooperação para o desenvolvimento – também prestou um contributo decisivo para a nossa segurança. Porque temos visibilidade enquanto Alemanha. E visibilidade precisamente à luz de toda esta diversidade.

Foi o que vimos nos últimos dias. Que tenhamos logrado convencer países que estavam inseguros quanto à atitude a tomar a assumir uma posição clara não se deveu apenas a termos dito que a nossa ordem de paz europeia e o direito internacional estavam em xeque. Lográmos também porque, graças a um trabalho diplomático de largos anos, a boas relações e também à nossa capacidade de escutar e de exercer autocrítica, beneficiamos de uma certa confiança. Não em toda a parte, mas em muitos locais no mundo. Trata‑se do dividendo de uma política externa alemã abrangente e multilateral.

Acredito que todos nós, e também eu pessoalmente enquanto nova Ministra Federal das Relações Externas, registamos isso com gratidão. Mas essa é precisamente a nossa tarefa: não o esquecer e continuar a fortalecer e a desenvolvê‑lo no futuro. A diplomacia, o trabalho cultural, a educação, o desporto, a mediação em situações de crise – um empenho concebido para produzir efeitos de forma abrangente e duradoura, em que os resultados não se vêm logo no dia seguinte – também estes são investimentos na segurança de todos nós.

Porque se lidamos com problemas complexos, também as nossas respostas têm de ser complexas. Se agora, por exemplo, as quebras maciças na cadeia de abastecimento – e as consequências vão ser duras, porque a Ucrânia deixou de poder exportar cereais e muitos outros bens para países, entre outros, em África – fizerem com que o risco de pessoas morrerem à fome seja ainda maior, então aumentará também o risco do surgimento de novos conflitos, e também do aparecimento de falsas narrativas.

É por isso que temos de agir agora, nesta situação aguda e no contexto da nossa Estratégia de Segurança Nacional, com todos os instrumentos que temos ao nosso dispor, começando pela diplomacia, passando pela promoção da paz, pela estabilização e pela cooperação económica até aos apoios financeiros e substanciais a países e organizações internacionais.

Mas também aqui se aplica que “cada vez mais” não significa automaticamente “cada vez melhor”. Também aqui teremos de nos questionar de forma honesta até que ponto os nossos meios são eficazes e qual o seu contributo para a estabilização de regiões e para a nossa própria segurança. E acredito que todos estamos de acordo quando digo que a dispersão de recursos não será certamente o método mais eficaz. Não é, infelizmente, um mero acaso que eu, ministra recém-empossada, ainda não saiba ao certo quais as atividades que outros ministérios apoiam num determinado país. Mas mostra, isso sim, a necessidade de coordenarmos de forma muito mais estreita a nossa cooperação no domínio da política externa, mas também da política económica, da política energética e da política de desenvolvimento.

Foi o que, no acordo de coligação, definimos por política externa coerente. Mas também isso será um elemento central da nossa Estratégia de Segurança: que coordenemos os nossos financiamentos e que não entrem em choque uns com os outros.

Senhoras e Senhores,

Questões complexas exigem respostas complexas. E já o mencionei no início: o nosso maior desafio será seguramente o do ciberespaço. Porque vemos que o ciberespaço figura como elemento central nos conflitos modernos. Ao mesmo tempo, vemos o recurso a formas de guerra mais convencionais que, em parte, até já julgávamos ultrapassadas. Mas o grande desafio consiste no facto de se lhes terem juntado a guerra cibernética e os ataques híbridos.

E por enquanto apenas conseguimos entrever os possíveis efeitos colaterais. É o que estamos a vivenciar com o aparecimento de hacktivistas que poderão provocar uma nova escalada do conflito. Casos em que não sabemos sequer ao certo quem é o autor do ataque. Antes atacavam‑se gasodutos com bombas ou mísseis; hoje os ataques são levados a cabo por piratas informáticos e têm como alvo hospitais. E em situações particularmente complicadas, em seis locais diferentes dos nossos dezasseis Estados federados. Qual será, então, a autoridade competente? Serão as Forças Armadas Federais, a Agência Federal de Investigação Criminal, ou os seis Estados federados diferentes – porque não sabemos sequer se se tratou de um acontecimento fortuito ou de um ataque?

Essas ameaças mostram que não precisamos apenas de fortes capacidades de defesa contra ciberataques, mas que parte do nosso trabalho de elaboração de uma nova Estratégia de Segurança Nacional terá de versar sobre a distribuição de competências entre as Forças Armadas Federais e as autoridades de segurança nacionais, entre a Federação e os Estados federados.

Senhoras e Senhores,

A guerra de Putin em flagrante violação do direito internacional veio confrontar‑nos com uma nova realidade em matéria de política de segurança. Mas acredito, e isso também é importante, que nem tudo o que acontece é novo e diferente. Temos é de olhar com mais atenção para aquilo que de facto constitui uma novidade. E também para aquilo que fizemos bem e o que deve ser prosseguido. É claro que já não será óbvio que as operações dos elementos das nossas forças armadas terão lugar a milhares de quilómetros de distância de Flensburgo ou de Friburgo. Ainda assim, essas operações continuam a ser importantes. E, com isto em mente, vamos lançar mãos à obra e redefinir a nossa política de segurança.

Considero que, conforme disse no início, precisamente por ser um desafio tão grande – que juntos podemos iniciar o processo com toda a autoconfiança. Pois reagimos com firmeza à guerra de Putin juntamente com os nossos parceiros e parceiras, enquanto democracias liberais. Com parceiros que partilham os nossos valores e que, tal como nós, dão a cara por eles. E não se trata apenas do Ocidente, mas de uma aliança de democracias liberais do mundo inteiro. Que estão comprometidas com o direito internacional, com a democracia e com uma ordem internacional baseada em regras.

E se quisermos provar que a ideia liberal é mais forte do que os regimes autoritários, então teremos de traduzir os nossos princípios de forma ainda mais efetiva em políticas concretas. Através de uma posição clara, através de uma atuação firme e de instrumentos que sejam ágeis, eficazes e estejam à altura dos tempos.

Iremos agir de forma prudente e pragmática. Não em categorias a preto e branco, mas com coragem para a ponderação e para o confronto. E com uma clara bússola de valores na mão. Pela segurança para a liberdade da nossa vida. Pela nossa paz e o futuro dos nossos filhos numa Europa comum e democrática.

Muito obrigada.

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